Regimento de Infantaria nº 5

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ARMORIAL: Miguel de Paiva Couceiro
ILUMINURA: Miguel de Paiva Couceiro
Publicação das Armas: “Portaria”, 1978, Agosto, 23 in OE, 1978, 1.ª série, n.º 8, pp. 517-519.

ARMAS:
– Escudo de azul, duas cabeças de águia cortadas, contornadas de ouro, bicadas, lampassadas e sangradas de vermelho, acompanhadas em ponta de uma flor-de-lis de ouro.
– Elmo militar de prata, forrado de vermelho, a três quartos para a dextra.
Correia de vermelho perfilada de ouro.
– Paquife e virol de azul e de ouro.
– Timbre: Três virotões de ouro, atados de verde. Divisa: num listel de prata, ondulado, sotoposto ao escudo, em letras de negro, maiúsculas, de estilo elzevir:
“DIGNIDADE E VALOR”.

SIMBOLOGIA:
As CABEÇAS DE ÁGUIA Cortadas e contornadas, aludem aos Exércitos Napoleónicos em cujo desbarato teve parte distinta o Regimento de Infantaria nº 5
A FLOR-DE-LIS alude à batalha de La Lys em que o mesmo Regimento de distinguiu.
Os VIROTÕES do timbre aludem à arma de Infantaria
O OURO simboliza: Força e Nobreza
O AZUL simboliza: Lealdade

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SÍNTESE:

O Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha (RICR) teve origem no Batalhão de Ciclistas nº 2 (1926- Caldas da Rainha.
– Mudou de designação em 1927 para Regimento de Infantaria nº 5 (RI5)

– Em 1974 o Regimento de Infantaria nº5 foi o principal protagonista, mas sem êxito, do “movimento de 16 de Março de 1974”. Esta acção veio a ter como fruto a atribuição da Ordem da Liberdade.

– Em 30 de Março de 1975 foi extinto o Regimento de Infantaria nº5 e em 01 de Abril desse ano foi criado o Centro de Instrução do Quadro de Complemento.

– Em 31 de Dezembro de 1975, é extinto o Centro de Instrução do Quadro de Complemento, sendo criado em 01 de Janeiro de 1976 o Regimento de Infantaria de Caldas da Rainha que ficou fiel depositário das tradições das unidades que o antecederam.

– Em 31 de Maio de 1981 o Regimento de Infantaria de Caldas da Rainha foi extinto. No seu quartel, foi criada a Escola de Sargentos do Exército, a 1 de Junho de 1981. Esse despacho determinou que a 1ª Parte dos Cursos de Formação de Sargentos e dos Cursos de Promoção a Sargento-Ajudante, passasse a decorrer nesta Escola a partir de Outubro de 1981. As suas tradições históricas foram entregues em herança à Escola de Sargentos do Exército (ESE) que se mantém nas Instalações do RI5 até aos dias de hoje (2020)

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TRADIÇÕES E PATRIMÓNIO HISTÓRICO:

– As Tradições do RI 5, foram herdadas pelo RICR (Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha)
– Com a sua extinção em 1981 as tradições históricas do RICR foram entregues por herança à Escola de Sargentos do Exército (ESE)

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REGIMENTO DE INFANTARIA DAS CALDAS DA RAINHA

Fotografias: Escola de Sargentos do Exército (ESE)

* Retirado de Águas Mornas (Texto de Zé Ventura) – 30 Maio de 2008

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(…)  para nós Caldenses aquele aquartelamento será sempre o R.I.5.

O Regimento de Infantaria Nº5 foi criado na primeira metade do século XIX e andou por vários quartéis, Porto, Angra do Heroismo, Elvas e Lisboa. Em 1918 foi integrado na 6ª Brigada de Infantaria que tomou parte na Batalha de La Lys ou de Armentiéres, contribuindo para a derrota do “inimigo”.
Em 26 de Maio de 1918, passou a ter como área de guarnição as Caldas da Rainha onde foi instalado nos Pavilhões do Parque passando a ser o orgulho da Vila que tinha pela primeira vez uma unidade militar aquartelada.
O regimento viria a mudar de cidade mas em 1927, com a elevação de Caldas da Rainha a cidade regressou aos Pavilhões do Parque.
Em 1941 embarcava para Cabo Verde o primeiro Batalhão expedicionário do regimento de Infantaria Nº5, seguiu-se depois o envio de tropas para a Índia em 1959. Entretanto em 1961 mobiliza ainda uma Companhia para a Índia, 2 para Angola e 1 pelotão de morteiros para a Guiné.
O regimento aquartelado nos Pavilhões do Parque, mudou-se para o quartel onde hoje funciona a Escola de Sargentos em 5 de Junho de 1953, a inauguração com pompa e circunstância contou com a presença do Presidente da República.
Em 1974 protagonizou o primeiro sinal revolucionário com o “16 de Março” que viria a ser fundamental para a Revolução dos Cravos.
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16 Março de 1974

O comunicado oficial:

Na madrugada de sexta-feira para sábado, alguns oficiais em serviço no Regimento de Infantaria 5, aquartelado nas Caldas da Rainha, capitaneados por outros que nele se introduziram, insubordinaram-se, prendendo o comandante, o segundo comandante e três majores e fazendo em seguida sair uma Companhia autotransportada que tomou a direcção de Lisboa. O Governo tinha já conhecimento de que se preparava um movimento de características e finalidades mal definidas, e fácil foi verificar que as tentativas realizadas por alguns elementos para sublevar outras Unidades não tinham tido êxito. Para interceptar a marcha da coluna vinda das Caldas foram imediatamente colocadas à entrada de Lisboa forças de Artilharia 1, de Cavalaria 7 e da GNR. Ao chegar perto do local onde estas forças estavam dispostas e verificando que na cidade não tinha qualquer apoio, a coluna rebelde inverteu a marcha e regressou ao quartel das Caldas da Rainha, que foi imediatamente cercado por Unidades da Região Militar de Tomar. Após terem recebido a intimação para se entregarem, os oficiais insubordinados renderam-se sem resistência, tendo imediatamente o quartel sido ocupado pelas forças fiéis, e restabelecendo-se logo o comando legítimo. Reina a ordem em todo o País.

A Revolta das Caldas

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Intervenção do
Major-general Adelino de Matos Coelho (*)
 Coimbra, 16 de Março de 2007
.
No decurso destes anos, a maioria dos intervenientes do RI 5, no 16 de Março de 1974, tem mantido o silêncio, sobretudo, por ausência de desejo de protagonismo. No entanto, este não deve continuar, para que não se corra o risco de que mentiras muitas vezes repetidas se transformem em verdades que conduzam à percepção errada dos acontecimentos
O desconhecimento que existe, ainda, sobre os acontecimentos das Caldas da Rainha, exige uma pesquisa aturada com a recolha de dados credíveis e o contributo de todos os oficiais envolvidos (oriundos de milicianos e de cadetes), dado que a ponderação sobre o desempenho de cada um pode contribuir, decisivamente, para a análise histórica do 16 de Março de 1974! … Este debate é uma oportunidade para incentivar a investigação dos factos, desmontar protagonismos, colmatar lacunas e corrigir imprecisões que têm conduzido a graves equívocos.
Em Março de 1974, ministrava-se o 1º Ciclo do Curso de Sargentos Milicianos (CSM) a 6 companhias de instrução. Com 5 oficiais superiores, 14 capitães e tenentes oriundos de cadetes, 7 capitães e tenentes oriundos de milicianos e um capitão e um tenente do QEO, a força operacional do RI 5 era a Companhia de Caçadores, comandada pelo Capitão Piedade Faria e o apoio administrativo-logístico era da Companhia da Formação, comandada pelo Capitão Domingues Gil. Dos restantes capitães e tenentes, a maioria, ou comandava companhias de instrução ou era adjunto nos comandos das companhias. Existiam, também, dezenas de oficiais, sargentos e cabos milicianos do serviço militar obrigatório.
Os capitães e tenentes oriundos de cadetes foram representados em todas as reuniões do Movimento dos Capitães, ao qual aderiram, das quais destaco Óbidos (1 de Dezembro de 1973), cujo local de reunião foi conseguido por elementos do RI nº 5, com a colaboração de um cabo-miliciano, Cascais (5 de Março) e Santarém e Lisboa (13 de Março). Por outro lado, nas suas reuniões internas, sempre mostraram abertura e boa-fé para nelas participarem outros oficiais, chegando a participar, em algumas, os majores Serrano e Monroy Garcia, que não aderiram à sublevação.
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Em Agosto de 1973, o aparecimento nas unidades do panfleto “Dos espúrios aos puros” espelhava uma declarada reserva dos oficiais oriundos de milicianos e do QEO[1], vocacionados para “o ganho” de antiguidade suscitado pelos Decretos-Lei nº 353/73, de 13 de Julho, e nº 409/73, de 20 de Agosto, procurando os primeiros obter dividendos desta legislação, o que, para muitos deles, era retomar expectativas dos anos 60. Neste sector pontificavam, designadamente, o capitão Virgílio Varela e o tenente Silva Carvalho e, que integraram uma Comissão de oficiais oriundos de milicianos.
Sem objectivos coincidentes, o grupo dos oficiais oriundos de cadetes e o grupo dos oficiais oriundos de milicianos e do QEO não trocavam impressões sobre antiguidades e existia um clima de desconfianças mútuo. O ambiente de dessintonia atingiu o seu auge após a reunião de oriundos de milicianos, de 1 de Janeiro de 1974, na Caparica, em que estes iniciaram a recolha de assinaturas num documento de apelo ao general Spínola “a fim de interceder junto do Governo da Nação a favor de uma solução justa para o grande problema na escala de antiguidades de oficiais do QP oriundos do QC e dos oficiais do QEO (…), comprometendo-se e solidarizando-se com qualquer posição que (o general) pudesse vir a tomar com vista a debelar a injustiça e a elevar o prestígio das Forças Armadas” – foram 108 assinaturas de oficiais oriundos de complemento e do QEO, dos quais, seis eram do Regimento.
Em 5 de Março de 1974, com a aproximação das duas comissões coordenadoras e o compromisso de Cascais, relativamente ao objectivo nacional de mudança do regime, não é despiciendo, entre outros aspectos, recordar “a necessidade de escolha de chefes – para o Exército, Costa Gomes e Spínola” e “a solidariedade geral e inequívoca em redor de todos os camaradas das Forças Armadas, como factor básico primordial para o sucesso que se pretende.” Nesta reunião, os delegados do RI 5 eram o capitão Piedade Faria e o tenente Carvalhão, ambos oriundos de cadetes. O capitão Virgílio Varela estava presente, mas representando a Comissão dos oficiais oriundos de milicianos.
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As intenções dos oriundos de milicianos deixavam-nos muitas dúvidas, respondidas, vinte anos depois, pelo capitão Varela: “(…). Os delegados da Comissão de Milicianos, no norte, eram o Abreu Cardoso e o Batista da Silva. O CIOE era uma das nossas unidades chave, assim como Estremoz. Em termos operacionais, tínhamos algumas unidades, que eram mais dominadas por nós… e, havíamos combinado estarmos na linha da frente, logo que viesse a ordem para o derrube do regime.” [2]
Dois dias depois, fomos avisados sobre eventuais manobras de recolha de assinaturas num documento de apoio exclusivo ao General Spínola – um facto que nos suscitou, no mínimo, desconfiança quanto a intuitos divisionistas, estranhos ao Movimento dos Capitães. Entretanto, a unidade foi visitada pelo brigadeiro segundo-comandante da Região Militar de Tomar (RMT), que inspeccionou as companhias de instrução, sem conseguir motivos para qualquer reparo ou chamada de atenção.
Na tarde do dia 9, com as unidades militares em prevenção rigorosa, conhecidas as ordens de transferência dos capitães Vasco Lourenço, Carlos Clemente, Ribeiro da Silva e Carlos Martelo, bem como a notícia dos seus “sequestros”, pelo Movimento, informámos o Comandante Interino do Regimento da nossa solidariedade com os camaradas mandados transferir de unidade. Mais tarde, soube-se que este episódio terminou com a prisão dos capitães Vasco Lourenço e Ribeiro da Silva, bem como do capitão Pinto Soares.
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Também, neste dia 9, enquanto o Movimento geria o “processo” das transferências daqueles capitães, realizou-se uma reunião na casa de um familiar do tenente-coronel Almeida Bruno onde, além dele, estiveram o tenente-coronel Dias de Lima, os majores Casanova Ferreira e Melo Antunes e o capitão António Ramos, com o objectivo de ultimarem os preparativos de uma «operação» de que o tenente-coronel Almeida Bruno e o capitão António Ramos dariam ulterior conhecimento ao general Spínola. O Major Casanova Ferreira (regressado nesse dia da Guiné) considerou que havia forças suficientes, bastando a adesão dos pára-quedistas para desencadear a operação. Apesar das dúvidas de elementos presentes, o tenente-coronel Almeida Bruno foi encarregado de contactar o coronel Rafael Durão, no sentido de este assumir o comando do Regimento de Pára-quedistas no próprio dia do levantamento militar.[3]
No dia 12, na perspectiva da demissão dos generais Spínola e Costa Gomes, concertadamente, os capitães e tenentes do RI 5 declararam ao Comandante que “se acontecesse alguma acção do Governo nas pessoas dos generais, estariam solidários com eles e poderia ser desencadeada alguma acção.”
No dia 13, o brigadeiro segundo-comandante da RMT voltou ao RI 5, para observar o estado de espírito e a disciplina do Regimento. Inopinadamente e em atitude provocatória, ordenou a realização de um teste à companhia operacional, o que constituiu um bom treino de prontidão, sobre o qual o brigadeiro não pôde deixar de manifestar o seu agrado e elogios pela forma como decorreu, com o pessoal armado e equipado “sobre rodas”, no mínimo tempo, pronto a “sair à estrada” e a “marchar com determinação para qualquer objectivo”. Como é de calcular, maior agrado foi o dos oficiais comprometidos com o Movimento, pois os bons resultados da avaliação do teste de prontidão, com o contributo de oficiais, sargentos e praças de outras companhias, constituíram a melhor prova de que, na unidade, a consciência e a noção das responsabilidades estavam sólidas, num ambiente de confiança e camaradagem.
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Igualmente, no dia 13, em Santarém e em Lisboa, os tenentes (oriundos de cadetes) Rocha Neves e Moreira dos Santos, do RI nº 5, participaram em reuniões destinadas à distribuição do “plano de operações” de um golpe militar previsto para 14, o qual foi anulado. Regressados de Lisboa, ao princípio da madrugada 14, os tenentes trouxeram esta informação porque os pára-quedistas necessitariam de dez dias para preparar a acção. Assim, ficámos a aguardar novas indicações.
Em Alvorada em Abril, Otelo Saraiva de Carvalho descreve aquele plano, “elaborado no dia 11, em casa do major Casanova Ferreira, com a participação de Monge, José Maria Azevedo, Geraldes, Luís Macedo e Garcia dos Santos, parecendo uma brincadeira de garotos, cada um atirava o seu objectivo para cima da mesa (…), tendo sido feito sobre o joelho, sem força nem estrutura de qualquer espécie (…).”[4]
Ainda no dia 13, na unidade, percebia-se que os oriundos de milicianos ambicionavam decisões fora do Movimento, o que nos suscitava desconfianças. As dificuldades de ligação, resultantes do estado de prevenção dificultavam a possibilidade de se obter informação. Na sequência de uma questão de ordem pessoal, desloquei-me a Lisboa e tive oportunidade de me encontrar, ao princípio da noite, com os capitães Armando Ramos e António Ramos, este ajudante de campo do general Spínola e ambos afectos à Comissão dos oriundos de milicianos.
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Deste encontro levei para os oficiais oriundos de cadetes, do Regimento, a informação sobre o espírito dos oriundos de milicianos. Em Lisboa, percebi nestes, além do empenhamento do general, a ideia de que “se saísse uma unidade – ‘mesmo que fosse um pelotão a instalar-se num «talefe»’ –, as restantes viriam atrás”, o que denotava “existir alguém a querer dar um salto para a frente”, mesmo sem planeamento. A justificação era evitar a anunciada cerimónia que ficou conhecida como “Brigada do Reumático”, que tinha como objectivo criar motivos para demitir os generais Costa Gomes e Spínola.
O tenente-coronel Virgílio Varela, numa entrevista, em Marcello e Spínola, a ruptura (1994), explica: “em 14 de Março, à noite, (…) ainda não tinham sido demitidos os dois generais, com o tenente Silva Carvalho, saltámos o muro do quartel (pois havia prevenção) e viemos a Lisboa, à procura do Casanova Ferreira, do Manuel Monge e do Armando Ramos (o nosso elemento da Comissão [dos oriundo de milicianos], em Lisboa). Este não estava e fomos para casa do primeiro. (…) Na residência (…), discutimos o plano de operações e eu disse-lhe: Nós não podemos aguentar mais, porque a nossa Unidade sendo uma das mais fortes (…), vai avançar para exercícios finais (e, nessa altura, apenas estariam municiados com bala simulada).”[5] Esta é uma atitude isolada dos dois oficiais oriundos de milicianos que, sem mandato dos oficiais do Movimento da unidade e com absoluto desconhecimento destes, tentam precipitar um golpe que havia sido acordado para mais tarde. A sua motivação poderá encontrar-se, entre outras, no receio da iminente exoneração do general que lhes prometera a resolução da questão das antiguidades.
Contraditando Otelo, em Alvorada em Abril, Virgílio Varela não “era o pólo dinamizador da actividade operacional (…)” e não «tinha a unidade na mão». Comandando uma companhia de recrutas do CSM, o capitão Varela não detinha liderança para “sair sozinho com a unidade”, havendo capitães mais antigos, plenamente, integrados no Movimentos dos Capitães.
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No dia 15, cerca das 16h30, apresentou-se um novo comandante no RI5, o tenente-coronel Horácio Loureiro Lopes Rodrigues que, após a formatura geral do Regimento, se dirigiu aos oficiais do quadro permanente, na biblioteca, em tom ameaçador – “cumprir e fazer cumprir ordens, exclusivamente, na dependência hierárquica do Comandante da Região Militar de Tomar”.
Apesar das pressões observadas, com os dados existentes, nada fazia prever uma acção na noite de 15/16 de Março. Como o estado de prevenção tinha baixado, foi dispensada parte do efectivo operacional e o CSM. Ao tempo, eu dava aulas, à noite, num estabelecimento de ensino de Caldas da Rainha e, quando cerca da meia-noite cheguei a casa, fui surpreendido com o aviso deixado pelo capitão Ivo Garcia, para ir para o RI 5 porque “é esta noite”. Este alerta era completamente contraditório com as informações que possuíamos, pelo que antes de sair, ainda telefonei para Lisboa, para dois camaradas do Movimento, sem referir o motivo por que o fazia, devido ao receio de escutas telefónicas. Um (o Capitão Sousa e Castro, coordenador das ligação da Comissão Coordenadora ao RI 5), foi-me dito por um familiar que tinha ido com a mulher ao cinema; o outro atendeu-me e percebi que estava calmamente em casa. Só mais tarde, depois do 25 de Abril, lhe expliquei a razão daquele meu telefonema. O facto de estes camaradas parecerem alheios a uma situação que se poderia estar a passar, aumentou a minha surpresa.
Entrei no Regimento, meia hora depois da meia-noite.
Desencadeava-se a neutralização do Comandante e do Segundo-comandante, no edifício do comando, levada a cabo pelo capitão Varela e tenentes Rocha Neves, Gomes Mendes e Silva Carvalho.
Na 4ª companhia de instrução, encontrava-se o capitão Armando Ramos que, tendo sido introduzido no Regimento, cerca das 23h00, viera transmitir a missão de se “avançar com uma companhia, para Lisboa, e ocupar o aeroporto”.
Procurei-o e resumiu-me o que já tinha transmitido a outros oficiais da unidade – “o levantamento do CIOE, de Lamego, donde tinham telefonado para casa do major Monge, em Lisboa, a dizer que “estavam sobre rodas” e que, àquela hora, “já estariam a caminho de Lisboa, devendo demorar cerca de catorze horas”, seriam contactadas para sair a EPC (major Casanova Ferreira), a EPA e a EPI (major Otelo) e o RC nº7 (major Monge) e que “já tinha sido efectuado um telefonema para casa deste, a confirmar.”
E, com ansiedade, repetia “estamos atrasados!…”
Regimento de Infantaria 5 | Caldas da Rainha Recruta em Maio de 1965 Fotografia Cedida por: Vitor Cordeiro
Regimento de Infantaria 5 | Caldas da Rainha
Recruta em Maio de 1965
Fotografia Cedida por: Vitor Cordeiro
Manifestei-lhe a minha surpresa, face aos antecedentes e aos elementos de que dispúnhamos, os quais não davam credibilidade à informação por ele veiculada, exactamente, porque os factos imediatamente anteriores, incluindo os telefonemas, por mim, efectuados antes de sair de casa, não apontavam para a possibilidade de desencadear qualquer acção, naquela data, e por haver indícios de descoordenação. Posteriormente, soube que na reunião de diversos oficiais com o capitão Ramos, antes da neutralização do comando, também o tenente Rocha Neves, entre outros, suscitara dúvidas, com base nos elementos que ele recolhera na reunião de 13, em Lisboa – o prazo, então, estipulado era de cerca de dez dias[6].
Estas dúvidas são mencionadas na legenda de uma fotografia publicada no artigo “Do 16 de Março ao 25 de Abril”, publicado na revista do Expresso, de 25 de Abril de 1997, na sequência de depoimentos prestados pelos tenentes-coronéis Virgílio Varela e Silva Carvalho –  “Os tenentes Matos Coelho e Rocha Neves (…), dois dos raros oficiais que evidenciaram ‘reticências’ em aderir à sublevação do 16 de Março”,
Entretanto, foram efectuados telefonemas para as unidades mencionadas. O capitão Varela afirmou, mais tarde, que um dos oficiais oriundos de cadete tinha afirmado: “Isto pode ser uma jogada dos milicianos e nós estamos a apadrinhá-la, sem querer…”[7]
Mas, concretizada a detenção dos Comandantes, era inevitável o aprontamento para a saída da companhia, pelo que, apesar de todas as dúvidas que mantinha, numa atitude solidária para com os restantes intervenientes, equipei-me e integrei-me na coluna para Lisboa. Receia-se intercepções e escutas. Da EPC, informam que não têm condições para sair e que nenhuma outra unidade tinha saído. Do RI 5, respondeu-se que a neutralização do comandante tornara a acção irreversível…
Às 02h30, na sala de oficiais, realizou-se uma rudimentar reunião de coordenação de elementos que integravam a Companhia de Caçadores na qual, além do respectivo comandante, seguiam o capitão Domingues Gil e o capitão Armando Ramos e outros oficiais que, tal como eu, não lhe pertenciam organicamente.
Regimento de Infantaria 5 2º Turno de 1971 Fotografia Cedidapor: José Rodrigues
Regimento de Infantaria 5
2º Turno de 1971
Fotografia Cedidapor: José Rodrigues
Com a missão de avançar para Lisboa e ocupar o aeroporto, coordenou-se a eventualidade de, nas imediações deste, a coluna ser fraccionada em três módulos, cada um comandado por um dos capitães, devendo ser esperados por outros elementos de ligação, perto do objectivo.
Finalmente, às 04h00, a Companhia de Caçadores, comandada pelo Capitão Piedade Faria, sai do quartel, com cerca de 200 militares, a caminho de Lisboa[8]…
No Carregado a companhia cruzou-se com uma coluna da GNR que não se manifestou. Na auto-estrada não havia trânsito nos dois sentidos e as viaturas dispuseram-se em xadrez.
Pelas 07h15, junto ao rio Trancão, na faixa sul-norte, surgiram os majores Casanova Ferreira e Manuel Monge que informaram que a coluna tinha de regressar a Caldas da Rainha, pois era a única que tinha saído, estando um dispositivo militar preparado para a defrontar, à entrada de Lisboa.
A companhia mudou de faixa num separador ajardinado, inverteu a marcha, e, no regresso, à saída de Vila Franca de Xira, cerca das 08h30, encontrou um efectivo de 10 elementos da GNR, comandados por um tenente, que interpelou a companhia mas não se pôde opor à continuação da marcha – o potencial da companhia assustou-os, o que se materializou pela fuga dos guardas quando um militar da coluna fez um disparo, inadvertido, sem consequências. Pela 09h30, a coluna foi sobrevoada por um avião ligeiro que, mais tarde, sobrevoou o Regimento.
Cerca das 10h30, a Companhia de Caçadores regressou ao quartel, depois de terem sido ponderadas três hipóteses: desviar para Montejunto, estacionar no Alto das Gaeiras, a cerca de 5 km da cidade, ou entrar no quartel – a necessidade de atestar viaturas, na esperança da eventualidade de se voltar à estrada, com outras unidades, foi um factor de peso…
Ali, já se encontravam os majores Monge e Casanova Ferreira que, mais tarde viriam a tomar a responsabilidade de negociar a rendição com o Brigadeiro Pedro Serrano, Segundo-comandante da RMT, que comandou as forças de cerco que se colocaram à vista, próximo do RI5, cerca das 13h00.
A rendição durou quase três horas e trinta minutos.
Em 1981 o RI5 foi extinto, nas suas instalações foi criada a ESE Fotografia: Miguel Silva Machado Para o
Em 1981 o RI5 foi extinto, nas suas instalações foi criada a ESE
Fotografia: Miguel Silva Machado
Para o “O Operacional”
Pelas 16h00, foi dada ordem de prisão aos oficiais, mandados reunir na biblioteca, os quais foram para Lisboa, sob escolta militar, perto das 23h00.
No espaço de tempo em que decorreram as acções de sublevação, incluindo a deslocação da coluna, não existiu um “comandante da revolta”, tendo-se evidenciado o espírito de corpo, com base no bem treinado plano de defesa do aquartelamento e na organização da Companhia de Caçadores – uns neutralizaram os comandantes, outros abriram os paióis para distribuir munições, outros esclareceram oficiais e sargentos, outros organizaram e integraram a coluna, com 15 viaturas, sem olvidar o serviço de alimentação, com cozinha rodada, serviço de saúde, com enfermeiro e socorristas, e transmissões que funcionaram muito mal… O pessoal, além de muito motivado, ia bem armado e municiado, com armas ligeiras, metralhadoras pesadas, morteiros, lança-granadas foguetes e muitas granadas de mão.
No quartel, ficaram os capitães Gonçalves Novo (o mais antigo) e Virgílio Varela, bem como alguns oficiais subalternos para cuidar dos pormenores de defesa do aquartelamento.
 O primeiro, afirmou em carta ao jornal Expresso, de 10 de Maio de 1997[9]: “estava com 39,5° de febre quando fui chamado ao RI 5, apresentei-me, fui clinicamente tratado, o que me permitiu baixar a temperatura e desempenhar as funções de planear e comandar a defesa do RI 5, assegurando a sua integridade até ao regresso da coluna militar ou até receber ordens do Movimento dos Capitães.”
O capitão Varela, após a neutralização do Comandante, manteve-se algum tempo, com este, no gabinete. Mais tarde, em Marcello e Spínola, a ruptura irá afirmar “fiquei nas Caldas e mandei sair uma Companhia, com o Armando Ramos e o Silva Carvalho, para ocupar o aeroporto de Lisboa”[10]. Por tudo o que atrás se disse, este relato não corresponde, minimamente, à forma como os acontecimentos se desenrolaram.
Não devidamente esclarecidos, há ainda outros aspectos a considerar, que poderão ser decisivos para a investigação histórica, no capítulo do 16 de Março de 1974, nomeadamente:
–      Dia 9 de Março: reunião em casa dum familiar do tenente-coronel Almeida Bruno, com o tenente-coronel Dias de Lima, os majores Casanova Ferreira e Melo Antunes e o capitão António Ramos;
–      Dia 12 de Março: elaboração de um plano de operações, em casa do major Casanova Ferreira, com a colaboração dos majores Manuel Monge, José Maria Azevedo e Garcia dos Santos, do capitão Luís Macedo e do alferes Geraldes, para uma acção militar no dia 14;
–      Dia 15 de Março:
ü Actividades dos oficiais oriundos de milicianos e do QEO, nas unidades, com incidência para as do norte;
ü Eventuais contactos telefónicos entre os delegados da Comissão de milicianos no norte (capitães Abreu Cardoso e Batista da Silva) e o capitão Virgílio Varela;.
ü Almoço do general Spínola, com o coronel pára-quedista Rafael Durão, tenentes-coronéis Dias de Lima e Almeida Bruno e o capitão António Ramos, no Hotel Embaixador, em Lisboa, onde foi equacionada a hipótese de um golpe militar para o dia 19;
ü Reunião do tenente-coronel Almeida Bruno com oficiais afectos ao general Spínola, na Academia Militar;
ü Reunião em casa do major Monge, com os majores Otelo e Casanova e o capitão Armando Ramos;
–      Noite 15/16 de Março:
ü Buscas da DGS e prisões do capitão Farinha Ferreira e do tenente-coronel Almeida Bruno;
ü Cerco à Academia Militar, pela GNR;
ü Contactos telefónicos estabelecidos com o RI 5, após a saída da coluna militar;
ü Grau de intervenção da DGS e outras forças de segurança, na detecção e denúncia destes acontecimentos.
Poder-se-á pensar que, encorajados pelo apoio de oficiais oriundos de milicianos e por equívocos gerados, alguns oficiais do Movimento mais ligados ao general Spínola tentam antecipar um golpe, aproveitando a estratégia do “talefe”, a partir da notícia da “saída” não confirmada do CIOE?
Se isto se comprovar, percebe-se o desabafo do coronel Casanova Ferreira, no jornal Público de 16 de Março de 1993, dizendo:
“Eu nem o primeiro-ministro consegui chatear.
Ah, aquilo foi muito mal feitinho.
Aquilo foi feito de uma forma muito ordinária por quatro gajos.
Falhei. (…).”
ri5Na altura dos acontecimentos, os militares do RI 5, apesar de algumas dúvidas, deram credibilidade à informação que lhes chegou pelo emissário vindo de Lisboa de que a ordem viria na sequência de uma reunião com elementos da Comissão Coordenadora. Convencidos de que haveria movimentações noutras unidades, com dúvidas que não conseguiram desfazer, por dificuldade de comunicações e receio de escutas telefónicas, saíram imbuídos da missão de “ocupar e controlar o aeroporto”, em Lisboa.
Porém, se durante a organização da coluna existiram, em simultâneo, dúvidas e convicções sobre a saída de outras unidades, o telefonema para a EPC, confirmando que ninguém saíra mostrou-nos que iríamos avançar sozinhos. No entanto, tal como foi dito, a prisão do comandante tornara irreversível a saída.
Posteriormente, veio a confirmar-se ter havido, contactos com outras unidades, antes da saída da coluna, nomeadamente, de Lamego, Vendas Novas, Mafra e Santarém, mas a falta de coordenação para uma acção militar era total.
A acção empreendida pelo RI 5 resultou da vontade colectiva de participar, com determinação, numa operação a nível nacional do Movimento dos Capitães, de que não se pode dissociar o espírito de corpo existente e o elevado grau de prontidão operacional em que se encontrava a unidade, que poderão justificar o arranque – a um sinal –, num clima de acções de intimidação que a hierarquia estava a levar a efeito em diversas unidades do país, com destaque para detenções e transferências de oficiais do Movimento.
Foi com este espírito, apesar do insucesso do 16 de Março, que se materializou um evento que acabou por ser decisivo nos desígnios do Movimento dos Capitães, posteriormente, assumidos pelo Movimento das Forças Armadas, que contribuíram para a conquista da democracia e para a recuperação do prestígio do País e das Forças Armadas.
Para terminar, e porque foi suscitado para este debate, os majores Serrano e Monroy Garcia, como já disse, não aderiram à sublevação, apesar de, anteriormente, terem sido contactados, tendo o primeiro exercido alguma actividade, nomeadamente até 21 de Dezembro de 1973, data da revogação dos Decretos-Lei 353/73 e 409/73.
Não estavam no quartel, no acto da neutralização do comando. Entraram de manhã, a 16, circularam normalmente na unidade sublevada. Colaboraram nas negociações da rendição e acompanharam os oficiais presos, da biblioteca para o autocarro que os levou a Lisboa.
Outro, o major Simão Vagos, quando se apresentou na unidade, dois dias antes, vindo do CIOE, foi contactado sobre o seu grau de empenhamento com o Movimento, tendo-se declarado simpatizante, mas desejava aguardar algum tempo para se integrar no ambiente da unidade. Não foi detido, mas também não foi contra, nem teve um papel activo na rendição.
A respeito do 16 de Março, aproveito para sugerir algumas correcções em O Pulsar da Revolução, designadamente:
-(Página 53): A legenda de uma fotografia que refere “militares implicados no 16 de Março…”deverá ser “Militares do 16 de Março, libertados da prisão acompanhados pela população de Caldas da Rainha, em direcção ao RI 5, em 29 de Abril”;
-(Página 54): O texto cronológico “Os capitães do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, tomam o comando do Quartel e de madrugada…” deverá ser substituído por “Oficiais do Regimento de Infantaria 5, das Caldas da Rainha, tomam o comando do Quartel e de madrugada avançam, sob o comando do capitão Piedade Faria, sobre Lisboa.”
In: No Pedro às 12:30 – http://nopedro12h30.blogs.sapo.pt/8056.htm

Notas:


*Era tenente de Infantaria, em 16 de Março de 1974, integrou a coluna militar do RI 5 e foi preso na sequência do fracasso.
[1] BERNARDO, Manuel Amaro, Marcello e Spínola – A ruptura: as Forças Armadas e a imprensa na queda do Estado Novo, pág 395 (assumido pelo Cap. Virgílio Varela, entrevistado pelo autor: “E eu já tinha dúvidas dos meus camaradas puros”)
[2]BERNARDO, Manuel Amaro, Marcello e Spínola – A ruptura: as Forças Armadas e a imprensa na queda do Estado Novo, pág. 401.
[3] SPÍNOLA, António, País sem Rumo – Contributo para a História de uma Revolução, página 96
[4]Página 212.
[5]BERNARDO, Manuel Amaro, Marcello e Spínola – A ruptura: as Forças Armadas e a imprensa na queda do Estado Novo, pág. 396.
 [7] BERNARDO, Manuel Amaro, Marcello e Spínola – A ruptura: as Forças Armadas e a imprensa na queda do Estado Novo, pág. 400.
 [8] Num relato horário do então 1º cabo Manuel Luís Branco, escriturário no gabinete de Estudos do RI 5, actualmente a residir em Leiria, pode ler-se – “4 horas: Parte em direcção a Lisboa uma coluna móvel, com quase todos os requisitos indispensáveis para tamanha realização. É comandada pelos capitães de Infª. Gil e Faria. Acompanha-os também um major dos …!” (Naturalmente, neste depoimento, uma praça que era da Companhia da Formação, vendo o seu capitão seguir na coluna, deu-lhe a importância de “comando”, esquecendo que apenas podia haver um comandante da Companhia de Caçadores – o capitão Faria. Quanto ao “major acompanhante”, referia-se ao capitão Armando Ramos que ele não conhecia e usava camuflado, um uniforme que não estava habituado a ver.)
 [9] Carta do capitão Novo a repudiar artigo “Do 16 de Março ao 25 de Abril – A guerra da louça”, publicado na revista do Expresso, de 25 de Abril de 1997, por considerar que a legenda de uma fotografia “ofende a sua dignidade”.
 [10]BERNARDO, Manuel Amaro, Marcello e Spínola – A ruptura: as Forças Armadas e a imprensa na queda do Estado Novo, pág. 402.

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Regimento de Infantaria nº 5 DISTINTIVO PRODUZIDO NO ÂMBITO DAS “COMISSÕES DE ESTUDO DAS TRADIÇÕES DAS ARMAS E SERVIÇOS”
Regimento de Infantaria nº 5
DISTINTIVO PRODUZIDO NO ÂMBITO DAS “COMISSÕES DE ESTUDO DAS TRADIÇÕES DAS ARMAS E SERVIÇOS”